Linhas e Fotografias

(Imagem : Martim Whatson)
Um miúdo, sentado num muro baixo, à beira da estrada para onde não olha — sentado como que eternamente, sentado para estar sentado, sem tergiversar:

« Sentado tranquilamente,sem fazer nada.
Chega a primavera e a erva cresce por si.»

- Roland Barthes


"Ninguém compreende o outro. Somos, como disse o poeta, ilhas no mar da vida; corre entre nós o mar que nos define e separa. Por mais que uma alma se esforce por saber o que é outra alma, não saberá senão o que lhe diga uma palavra - sombra disforme no chão do seu entendimento.
Amo as expressões porque não sei nada do que exprimem. Sou como o mestre de Santa Marta: contento-me com o que me é dado. Vejo, e já é muito. Quem é capaz de entender?
Talvez seja por este cepticismo do inteligível que eu encaro de igual modo uma árvore e uma cara, um cartaz e um sorriso. (Tudo é natural, tudo artificial, tudo igual.)"

- Robert Frank vs Bernardo Soares








" O cego a cantar em russo na Ponte Carlos, sobre Vladava. A bela rapariga de olhos tristes a tocar guitarra espanhola. A senhora checa a entoar uma área de ópera na rua nocturna. Quase ninguém neles repara: a seus pés escasseiam as moedas. E eram eles o coração de Praga, a cidade aquímica, na noite do mundo. Pela sua voz Deus cantou entre os homens surdos, que atónitos iam às suas vidas, cheios de pressa e de nada. ( Praga, Maio, 2007)" 

- Robert Frank vs Paulo Borges

(...)


“O ódio, o amor, a dor, a alegria, o egoísmo, a cobiça, as virtudes do senhor Francisco, marido exemplar, coluna da sociedade, não me interessam; nem as infâmias do senhor António, que jogou a mulher numa cartada. O valor real está no esqueleto do senhor António, que o liga à pedra onde ele afia o punhal da sua vingança e do seu ódio; está na sombra do senhor Francisco, que o mistura com a noite e o lança nos braços da morte; está no teu sorriso enlouquecido, ó Viscondessa de Tardinhade, porque o teu riso é o Verbo pairando sobre as águas; está, Leonor, na súbita expressão que , uma vez, surpreendi na tua fisionomia e me disse de ti, durante o seu relâmpago, o que nunca me disseram as tuas palavras, modos e gestos habituais.... Foi a hora em que todo o teu ser se desvendou, em que ele conseguiu romper a névoa e deslumbrar-se para sempre!”



-  Gabriel Basilico vs Teixeira de Pascoaes

VINTAGE SHOP 


Enquanto esperava pela nova época, entrei. Lá dentro, o chapéu preto do avô Monteiro (aquilo é que era bom material. Ainda hoje parece novo); os óculos largos de aros maciços da titi Licas (sempre tão precisa e ajeitadinha!); o cachimbo do tio Tó (ainda estou a ver o gesto leve, o sorriso a abrir na medida certa, acabando tantas vezes por perder o equilíbrio numa gargalhada estrondosa). Até os sapatos de salto alto, castanhos, da mãe, apesar de tudo e de tanto se mantêm (nada a impedia de andar ligeira naquela lufa-lufa de todos os dias). No ar, uma remota fragrância a naftalina, as bolas brancas que a avó Carolina guardava nas malas. Por 4 euros, acabei por comprar um maiô de bailarina. Ajustou-se na medida certa ao corpo e o gesto sai longo e desimpedido. De quem seria? Talvez um duplo de mim que nunca chegou a aparecer nas fotografias. À saída, uma criança caminhava em ziguezague ocupando o passeio estreito. A mãe pegou-lhe pela mão num gesto decidido: «Deixa passar a senhora». Olhei para trás, não vi nenhuma. Acabei por acelerar o passo à frente deles. É num instante que se faz tarde.

“ Toda a gente é interessante se a gente souber ver toda a gente.
Que obra - prima para um pintor possível em cada cara que existe!
Que expressões em todas, em tudo!
Que maravilhosos perfis todos os perfis!
Vista de frente, que cara qualquer cara!
Os gestos humanos de cada qual, que humanos gestos!"

 Helen Levitt vs Álvaro de Campos




 
As mãos não são verdadeiras nem reais... São mistérios que habitam a nossa vida... Às vezes, quando fito as minhas mãos, tenho saudades de Deus... Não há vento que mova as chamas das velas, e olhai, elas movem-se... Para onde se inclinam elas?... Que pena que alguém pudesse responder! ... Sinto-me desejoso de ouvir músicas bárbaras que devem estar agora tocando em palácios de outros continentes... É sempre longe da minha alma... Talvez porque, quando criança, corri atrás das ondas à beira-mar. Levei a vida pelas mãos entre rochedos, maré-baixa, quando o mar parece ter cruzado sobre o peito e ter adormecido como uma estátua de anjo para quem nunca ninguém olhasse.”


- E.O.Hoppe vs Fernando Pessoa

“ Porque, criança, aprendi

na feira: ave e mulher
 Cantam melhor na cegueira”.  
 
- Hilda Hilst por Fernando Lemos vs Hilda Hilst

“O valor de todas as coisas é a sombra que elas projectam, a hora efémera que elas tiram à massa confusa do Tempo — a hora que se destaca, e tem relevo, e persiste, e reage contra a maré do Tempo.”



- Teixeira de Pascoaes

(...)

“A dança chama-se vida? O que me seduz é o par vertiginoso e os seus movimentos em linhas doidas, agitadas. A vida, esse jogo repetitivo de sentimentos vulgares, não me interessa.”

(…)

- Do filme “Pina” de Wim Wenderes vs Texeira de Pascoaes

"Ah quem tivesse a força para desertar deveras!"

- Do filme "Pina" de Wim Wenderes vs Álvaro de Campos







 “ Virá o dia em que não mais distinguiremos o cão e a carraça, a pulga e o gato, o homem e a lombriga, o presidente e o vagabundo, a senhora e a puta,o analfabeto e o catedrático, ditadura, democracia e anarquia, merda e pão, água e vinho, dinheiro e escarros, assassinos e vítimas, amor e ódio, eu e o outro, liberdade e escravidão, medo e esperança, solidão e companhia, prazer e dor, sabedoria e ignorância, vida e morte, mal e bem, inferno e paraíso. Virá o dia em que será igual o elogio e o escárnio, a divinização e a cruz, a glória e a desgraça, o choro e o riso, o som e o silêncio, o pânico e a coragem, a agressão e a carícia, a saúde e a doença. O dia em que não haverá pais, mães e filhos, homens, animais e deuses, natureza, cultura e civilização, masculino e feminino, céu e terra. Esse será o dia em que terá fim toda a espiritualidade, religião, filosofia, literatura, arte e ciência, toda a política, ética, moral e economia, todas as nações, Estados, governos, partidos, movimentos e sindicatos. Sim, virá esse dia, tremendo e espantoso, num turbilhão de danças, clamores e risos. Virá esse Dia e, quando ele vier, verás que vem todos os dias e a cada instante. Pois o seu nome, portentoso e terrível, é Agora.”

 - Do filme "Pina" de Wim Wenderes vs Paulo Borges
“Admirável aquele
cuja vida é um contínuo
relâmpago”


- Alexander Yakovlev vs Matsuo Bashô


  "Butterfly
Or falling leaf
Which ought I to imitate
In my dancing?"

- Do filme " memoirs of a geisha" vs Saikaku Ihara