Linhas e Fotografias

(Imagem : Martim Whatson)

"As palavras são como comboios para passar entre aquilo que realmente não tem nome."

- Prefab Sprout vs Richard Tuschman


DESTEMOR



Desfazer os castelos de areia num sopro e a seguir brindar à vida. É ao ser-se grão de areia que se é também uma praia vastíssima. Venham os ventos ensinar-nos a voar e levar à correnteza dos grandes rios!
Da minha janela vê-se a alegria. Traz um verde puríssimo e um perfume estonteante.
METATEXTO

As Palavras perguntaram à Alma: « Danças?»
A Alma respondeu que era virgem.
Depois dançaram com a espessura do amor.
“Se amanhã eu acordar Deus estará comigo.” 

 - Cecília Meireles
Manhã

Como um fruto que mostra
Aberto pelo meio
A frescura do centro

Assim é a manhã
Dentro da qual eu entro


-  Sophia de Mello Breyner

Ver a impermanência dos fenómenos de um modo estanque, o prazer e a dor com uma certa carga romântica. Não ter ainda os pés agilizados para a dança nem fôlego para ritmos violentos. Esconder a insatisfação por baixo do tapete dando-se a modos delicados suscetíveis de se desfazerem perante temporais imprevistos. Depois, ter de fazer opções: aquela que pode evitar mais sofrimento. Mas nada é evidente. Tudo que que se emaranha no coração e na cabeça, na vida que é toda dentro, dá um trabalho imenso.

“The plants and flowers
I raised about my hut
I now surrender
To the will
Of the wind.”

- Ryokan

Era assim a mulher fina: deslizava com perícia e elegância por entre as gotas de chuva. As outras, encharcadas, faziam-lhe criticas mordazes – imaginem! –, acusavam-na de nunca ter vivido autenticamente.
Numa rua, vazia, de pedra granito, onde o som dos passos sai recortado, passou um homem vestido de palhaço. Lá longe, uma multidão com cara de sombra aguardava o cortejo. O carnaval, naquele lugar, parecia improvável e a mascara uma frágil e fina película como a roupa de cor flamejante do homem que parecia ter a mesma natureza da rua onde foi visto.
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“É pela sede que se aprende a água.”


- Luke Shadbolt vs Emily Dickinson



























14 de Fevereiro ( um dia depois)

Uma pétala de rosa suspensa no corrimão, alumiada por um fio de luz da manhã.


Confissão

''- Fui me confessar ao mar.'' ''- O que ele disse?'' ''- Nada.'' 
 
- Gabriel Basilico vs Lygia Facundes Telles





"Referindo-me, uma vez, ao conceito directo das coisas, que caracteriza a sensibilidade de Caeiro, citei-lhe, com perversidade amiga, que Wordsworth designa um insensível pela expressão:

A primrose by the river's brim
A yellow primrose was to him
 And it was nothing more.
 
E traduzi (omitindo a tradução exacta de «primrose», pois não sei nomes de flores nem de plantas): «Uma flor à margem do rio para ele era uma flor amarela, e não era mais nada».
O meu mestre Caeiro riu. «Esse simples via bem: uma flor amarela não é realmente senão uma flor amarela».
Mas, de repente, pensou.
«Há uma diferença», acrescentou. «Depende se se considera a flor amarela como uma das várias flores amarelas, ou como aquela flor amarela só».

E depois disse:

«O que esse seu poeta inglês queria dizer é que para o tal homem essa flor amarela era uma experiência vulgar, ou coisa conhecida. Ora isso é que não está bem. Toda a coisa que vemos, devemos vê-la sempre pela primeira vez, porque realmente é a primeira vez que a vemos. E então cada flor amarela é uma nova flor amarela, ainda que seja o que se chama a mesma de ontem. A gente não é já o mesmo nem a flor a mesma. O próprio amarelo não pode ser já o mesmo. É pena a gente não ter exactamente os olhos para saber isso, porque então éramos todos felizes»."



- Álvaro de Campos



Olhando o sofrimento dos outros, confortavelmente, do nosso sofá.





                                                     

Agarrado ao Facebook como cão a um osso. Em redor nada acontece, apesar de tudo nos vir visitar.







Pasteis de nata quentes e estaladiços. O primeiro foi apenas um preliminar. No final, indícios de um dissabor.







Kizomba : o bê-a-bá do amor : “ eu e tu somos um só “, Dulce e João no centro de um coração.










A “miúda” tinha um sorriso envolvente e movia-se bem. Depois de entrar nela perdeu a sensibilidade para os  detalhes e a vida retomou um cinzento comum.
No fundo do mar uma inabalável paz, mas na crista da onda é tão giro! 


"Sim, eu conheço, eu amo ainda
esse rumor abrindo, luz molhada,
rosa branca. Não, não é solidão,
nem frio, nem boca aprisionada.
Não é pedra nem espessura.
É juventude. Juventude ou claridade.
É um azul puríssimo, propagado,
isento de peso e crueldade."

Elena Shumilova vs Eugénio de Andrade


“It is not expensive to be handsome

To build a rainbow is very cheap

Peonies compete with chrysanthemums

Blue sky has never been painted

Gold is golden by its own dignity”


- Kittiwut Chuamrassamee vs Chögyam Trungpa

O PALHAÇO

"Gostava só de lixeiros crianças e árvores
Arrastava na rua por uma corda uma estrela suja.
Vinha pingando oceano!
Todo estragado de azul."

Manoel de Barros