apagará o teu nome do meu chapéu” - Bernard Plossu vs Matsuo Bashô |
Linhas e Fotografias
(Imagem : Martim Whatson)
APAGAR
"Escrevia uma página.
Relia-a e cortava
logo alguns parágrafos. Voltava a lê-la e tirava algumas frases.
Depois ia às palavras. Reparava na inutilidade de muitas e
extraía-as. O que se encontra após uma vírgula também podia
desaparecer. O ponto e vírgula geralmente indicia a ineficiência das
frases que une, e eram retiradas.
Continuava assim
durante algum tempo.
Se não fosse a sua
mulher roubar-lhe a página, restaria uma palavra ou talvez nada.
Ele precisava tanto
de escrever como de apagar o que escrevia."
- Pedro Paixão
O CHAPÉU
Era um dia de Setembro. Correntes de ar fresco arrefeciam o Verão. No Miradouro da Graça, um menino loiro – perfeita figurinha arrancada de um conto – corria atrás dos pombos com uma vivacidade de espantar. Quando desistiu, o vento levou-lhe o chapéu. Foi pousar na cabeça de um rapaz de pele escura que andava a mendigar por ali. Ao descolar os olhos do chão – coisa raramente vista! – uma nota caiu-lhe aos pés. O menino loiro voltou para dentro do livro, agora sem chapéu. Quem rapidamente se apercebeu da falta da palavra foi Beni, que ouvia a história pela segunda vez. O pai repôs a palavra perdida na frase a letras manuscritas e o nosso personagem retomou a figura original. Por fim, a menina adormeceu e o pai fechou o livro remendado à mão.
Era um dia de Setembro. Correntes de ar fresco arrefeciam o Verão. No Miradouro da Graça, um menino loiro – perfeita figurinha arrancada de um conto – corria atrás dos pombos com uma vivacidade de espantar. Quando desistiu, o vento levou-lhe o chapéu. Foi pousar na cabeça de um rapaz de pele escura que andava a mendigar por ali. Ao descolar os olhos do chão – coisa raramente vista! – uma nota caiu-lhe aos pés. O menino loiro voltou para dentro do livro, agora sem chapéu. Quem rapidamente se apercebeu da falta da palavra foi Beni, que ouvia a história pela segunda vez. O pai repôs a palavra perdida na frase a letras manuscritas e o nosso personagem retomou a figura original. Por fim, a menina adormeceu e o pai fechou o livro remendado à mão.
«Um grande debate, inédito e
histórico.» Luzes, sublinhados e altifalantes. No final fica a
sensação de uma mão cheia de nada.
2.
Os comentários andam na boca de muita
gente mas pouco acrescentam (“ mastiga, deita fora, vai embora”
). Aponta-se com o dedo, enchem-se as fotografias de dedadas;olha-se de cima o tracejado do caminho, citam-se nomes e números.
Pressiste o drama individual da história única.
3.
O TAPETE
“O menino pusera
um caixote no meio da casa de jantar e assim navegou durante horas,
esbracejando no vácuo, perscrutando o horizonte que confinava com a
parede, o tapete a fingir de oceano, o caixote a fingir de veleiro de
grande tonelagem.
Pelas seis horas,
como de costume, o pai chegou do trabalho.
Entrou na sala ,
teve o tempo bastante para repreender o filho por aquela ideia, ao
mesmo tempo que pisava o tapete e perdia o pé, afogando-se."
- Jacques Sternberg
"1-Fevereiro
(sábado). Fiz cinquenta anos há dias. Como é óbvio, não
acredito. Mas enfim, é a opinião do Registo Civil. Acabou-se, fiz
cinquenta e três. É aliás uma idade inverosímil, a minha, desde
os cinquenta. A «vergonha» da idade ( que não tenho) deve vir daí.
E então lembrei-me : e se eu tentasse uma vez mais o registo diário
do que me foi afectando? Admiro os que conseguiram, desde a
juventude. Nunca fui capaz. Creio que por pudor, digamos, falta de
coragem. Um romance é um biombo: a gente despe-se por detrás. Isto
não. Mesmo que não falemos de nós ( é-me difícil falar
de mim) . Aliás como os outros,
desconheço-me. Talvez, também porque me evito. A verdade é que,
quando me encontro bem pela frente, reconheço-me intragável. Mas
enfim as virtudes são também desgostantes. De resto,
sou pouco abonado. Segundo a Regina, as virtudes que tenho têm mesmo
raízes viciosas: tolerância por fraqueza, interesse pela arte, por
vaidade e coisas assim. Não digo que aconteça isso com todas as
virtudes; mas com algumas deve ser verdade. Chega. O meu «diário»
está nas centenas de cartas aos amigos. Lembro as ao Lima de
Freitas, L. Albuquerque, Costa Marques, Mário Sacramento, Eduardo
Lourenço, alguns mais. Em todo o caso, essas mesmas, falsas. Excepto
talvez quando sobre questões «sérias». E ainda aí há quase
sempre um disfarce ou o tempero do gracejo. Serei agora capaz? Tento.
Seguro-me ao argumento de que me dá prazer ler os registos dos
outros. Leem-se sempre com curiosidade. Um motivo para insistir -
satisfazer a curiosidade dos outros. Mas terei eu «outros?»"
- Vergílio
Ferreira
Subscrever:
Mensagens (Atom)