Um miúdo, sentado num muro baixo, à beira da estrada para onde
não olha — sentado como que eternamente, sentado para estar
sentado, sem tergiversar:
« Sentado tranquilamente,sem fazer nada.
Chega a primavera e a erva cresce por si.»
- Roland Barthes
Linhas e Fotografias
(Imagem : Martim Whatson)
"Ninguém
compreende o outro. Somos, como disse o poeta, ilhas no mar da vida;
corre entre nós o mar que nos define e separa. Por mais que uma alma se
esforce por saber o que é outra alma, não saberá senão o que lhe diga
uma palavra - sombra disforme no chão do seu entendimento.
Amo as expressões porque não sei nada do que exprimem. Sou como o mestre de Santa Marta: contento-me com o que me é dado. Vejo, e já é muito. Quem é capaz de entender?
Talvez seja por este cepticismo do inteligível que eu encaro de igual modo uma árvore e uma cara, um cartaz e um sorriso. (Tudo é natural, tudo artificial, tudo igual.)"
Amo as expressões porque não sei nada do que exprimem. Sou como o mestre de Santa Marta: contento-me com o que me é dado. Vejo, e já é muito. Quem é capaz de entender?
Talvez seja por este cepticismo do inteligível que eu encaro de igual modo uma árvore e uma cara, um cartaz e um sorriso. (Tudo é natural, tudo artificial, tudo igual.)"
- Robert Frank vs Bernardo Soares
- Robert Frank vs Paulo Borges
VINTAGE SHOP
Enquanto esperava pela nova época, entrei. Lá dentro, o chapéu preto do avô Monteiro (aquilo é que era bom material. Ainda hoje parece novo); os óculos largos de aros maciços da titi Licas (sempre tão precisa e ajeitadinha!); o cachimbo do tio Tó (ainda estou a ver o gesto leve, o sorriso a abrir na medida certa, acabando tantas vezes por perder o equilíbrio numa gargalhada estrondosa). Até os sapatos de salto alto, castanhos, da mãe, apesar de tudo e de tanto se mantêm (nada a impedia de andar ligeira naquela lufa-lufa de todos os dias). No ar, uma remota fragrância a naftalina, as bolas brancas que a avó Carolina guardava nas malas. Por 4 euros, acabei por comprar um maiô de bailarina. Ajustou-se na medida certa ao corpo e o gesto sai longo e desimpedido. De quem seria? Talvez um duplo de mim que nunca chegou a aparecer nas fotografias. À saída, uma criança caminhava em ziguezague ocupando o passeio estreito. A mãe pegou-lhe pela mão num gesto decidido: «Deixa passar a senhora». Olhei para trás, não vi nenhuma. Acabei por acelerar o passo à frente deles. É num instante que se faz tarde.
Enquanto esperava pela nova época, entrei. Lá dentro, o chapéu preto do avô Monteiro (aquilo é que era bom material. Ainda hoje parece novo); os óculos largos de aros maciços da titi Licas (sempre tão precisa e ajeitadinha!); o cachimbo do tio Tó (ainda estou a ver o gesto leve, o sorriso a abrir na medida certa, acabando tantas vezes por perder o equilíbrio numa gargalhada estrondosa). Até os sapatos de salto alto, castanhos, da mãe, apesar de tudo e de tanto se mantêm (nada a impedia de andar ligeira naquela lufa-lufa de todos os dias). No ar, uma remota fragrância a naftalina, as bolas brancas que a avó Carolina guardava nas malas. Por 4 euros, acabei por comprar um maiô de bailarina. Ajustou-se na medida certa ao corpo e o gesto sai longo e desimpedido. De quem seria? Talvez um duplo de mim que nunca chegou a aparecer nas fotografias. À saída, uma criança caminhava em ziguezague ocupando o passeio estreito. A mãe pegou-lhe pela mão num gesto decidido: «Deixa passar a senhora». Olhei para trás, não vi nenhuma. Acabei por acelerar o passo à frente deles. É num instante que se faz tarde.
“
As
mãos não são verdadeiras nem reais... São mistérios que habitam
a nossa vida... Às vezes, quando fito as minhas mãos, tenho
saudades de Deus... Não há vento que mova as chamas das velas, e
olhai, elas movem-se... Para onde se inclinam elas?... Que pena que
alguém pudesse responder! ... Sinto-me desejoso de ouvir músicas
bárbaras que devem estar agora tocando em palácios de outros
continentes... É sempre longe da minha alma... Talvez porque, quando
criança, corri atrás das ondas à beira-mar. Levei a vida pelas
mãos entre rochedos, maré-baixa, quando o mar parece ter cruzado
sobre o peito e ter adormecido como uma estátua de anjo para quem
nunca ninguém olhasse.”
-
E.O.Hoppe vs Fernando Pessoa
“ Virá o dia em
que não mais distinguiremos o cão e a carraça, a pulga e o gato, o
homem e a lombriga, o presidente e o vagabundo, a senhora e a puta,o
analfabeto e o catedrático, ditadura, democracia e anarquia, merda e
pão, água e vinho, dinheiro e escarros, assassinos e vítimas, amor
e ódio, eu e o outro, liberdade e escravidão, medo e esperança,
solidão e companhia, prazer e dor, sabedoria e ignorância, vida e
morte, mal e bem, inferno e paraíso. Virá o dia em que será igual
o elogio e o escárnio, a divinização e a cruz, a glória e a
desgraça, o choro e o riso, o som e o silêncio, o pânico e a
coragem, a agressão e a carícia, a saúde e a doença. O dia em que
não haverá pais, mães e filhos, homens, animais e deuses,
natureza, cultura e civilização, masculino e feminino, céu e
terra. Esse será o dia em que terá fim toda a espiritualidade,
religião, filosofia, literatura, arte e ciência, toda a política,
ética, moral e economia, todas as nações, Estados, governos,
partidos, movimentos e sindicatos. Sim, virá esse dia, tremendo e
espantoso, num turbilhão de danças, clamores e risos. Virá esse
Dia e, quando ele vier, verás que vem todos os dias e a cada
instante. Pois o seu nome, portentoso e terrível, é Agora.”
- Do filme "Pina" de Wim Wenderes vs Paulo Borges
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