Linhas e Fotografias

(Imagem : Martim Whatson)
 

JUDITE



Chamava-se Judite e tinha no cabelo um vigor apreciável. Usava-o por cima do pescoço com caracóis largos, esvoaçantes. Ainda assim, a figura era sumida. Quando deparávamos de caras com o seu rosto, uma paisagem começava a morrer. Voltando a atenção para os olhos, reacendia-se a primavera. Deixava as amigas nos aposentos da idade ditada pelo preconceito, calçava os sapatos de salto alto cor de vinho, vintage, e saia saia. Gostava de ir para aquele café de superfícies planas a refletirem os fenómenos onde a luz das estações do ano entrava pelas vitrines. Bebia cafés longos e espumosos em chávenas transparentes, às vezes comia torradas ou tartes de framboesa. Por ali desfilava gente jovem com uma excentricidade contida ou um equilíbrio clássico assumido. Mas o que mais a deliciava – sim, aquela abertura de lábios era de regozijo – eram os modos aveludados de Ricardo a pontuar as frases com “meu bem”, “minha querida” enquanto adivinhava o que lhe iria servir naquele dia. Depois lançava-se no sofá da sua casa deixando a alma flutuar em musicas brasileiras cheias de sentimento. Um dia cruzou-se com o rapaz a atravessar a passadeira. O coração foi bruscamente impelido a saltar para dentro dos olhos dele mas esbarrou violentamente perante um cumprimento distante, seco. Ricardo estava fora da hora de expediente. Levava uns jeans com rasgões francos no meio da perna (lá isso é verdade, não parecia o mesmo). Nesse dia Judite resolveu ir visitar uma amiga de longa data e calçou os chinelos de enfiar o dedo. De cabelo bambaleante e a trocar as voltas nos contrastes de si mesma, seguiu ligeira.