JUDITE
Chamava-se Judite e
tinha no cabelo um vigor apreciável. Usava-o por cima do pescoço
com caracóis largos, esvoaçantes. Ainda assim, a figura era sumida.
Quando deparávamos de caras com o seu rosto, uma paisagem começava
a morrer. Voltando a atenção para os olhos, reacendia-se a
primavera. Deixava as amigas nos aposentos da idade ditada pelo
preconceito, calçava os sapatos de salto alto cor de vinho,
vintage, e saia saia. Gostava de ir para aquele café de
superfícies planas a refletirem os fenómenos onde a luz das
estações do ano entrava pelas vitrines. Bebia cafés longos e
espumosos em chávenas transparentes, às vezes comia torradas ou
tartes de framboesa. Por ali desfilava gente jovem com uma
excentricidade contida ou um equilíbrio clássico assumido. Mas o
que mais a deliciava – sim, aquela abertura de lábios era de
regozijo – eram os modos aveludados de Ricardo a pontuar as frases
com “meu bem”, “minha querida” enquanto adivinhava o que lhe
iria servir naquele dia. Depois lançava-se no sofá da sua casa
deixando a alma flutuar em musicas brasileiras cheias de sentimento.
Um dia cruzou-se com o rapaz a atravessar a passadeira. O coração
foi bruscamente impelido a saltar para dentro dos olhos dele mas
esbarrou violentamente perante um cumprimento distante, seco. Ricardo
estava fora da hora de expediente. Levava uns jeans com
rasgões francos no meio da perna (lá isso é verdade, não parecia
o mesmo). Nesse dia Judite resolveu ir visitar uma amiga de longa data
e calçou os chinelos de enfiar o dedo. De cabelo bambaleante e a
trocar as voltas nos contrastes de si mesma, seguiu ligeira.