Linhas e Fotografias
(Imagem : Martim Whatson)
Mostrar mensagens com a etiqueta vida breve. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta vida breve. Mostrar todas as mensagens
![]() |
![]() |
Nos
salões da sociedade corriam rumores que Milton trocara a sua
mulher por outra do mesmo género: ambas cabeleireiras, esbeltas,
da mesma idade e mestiças. Carol, a ajudante da primeira mulher,
talvez alheia à verdadeira causa, chamou a a isto falta de originalidade. A verdade é que as raparigas pareciam um só
rosto. Enquanto isto, Nádia, uma cliente habitual, procurava o
grande amor. E tudo o que a levava ali era parte do percurso
feito com uma espécie de cintilância febril.
-
Do filme Caramelo/ Nadie Labaki vs Verónica Louise
|
A
porta do elevador do Centro Comercial Colombo abre-se. Movimento
repetido, na ordem do quotidiano. Por ela irrompe uma mulher mestiça
- radiosa ( «será aqui o paraíso? ») . Levava um recém nascido
num berço, a pérola preciosa que lhe dava um sorriso contagiante. Atrás
dela, ainda no elevador, permanecia outra mulher em cuja expressão ficou um rasto sumido dessa espécie de júbilo pela vida.
![]() |
- Robert Frank vs Paulo Borges
«Um grande debate, inédito e
histórico.» Luzes, sublinhados e altifalantes. No final fica a
sensação de uma mão cheia de nada.
2.
Os comentários andam na boca de muita
gente mas pouco acrescentam (“ mastiga, deita fora, vai embora”
). Aponta-se com o dedo, enchem-se as fotografias de dedadas;olha-se de cima o tracejado do caminho, citam-se nomes e números.
Pressiste o drama individual da história única.
3.
[…]
“E fica a Voz,
uma voz dorida que sai das entranhas como a flama de um lume que a
tudo consome. Paixão pura, gratuita, sem outro fim senão o de
arder, tanto maior quanto mais se oferta : "dom sagrado".
Dos becos e vielas do coração obscuro de Lisboa ou dos salões da aristocracia castiça uma mesma Voz se ergue, quando o crepúsculo reabsorve na treva as femininas formas da cidade branca e rosa. O vento, que outrora engravidava as éguas no Monte Santo, vem agora dedilhar as cordas de uma guitarra portuguesa. O Tejo empresta a frescura e o ritmo das suas vagas. E as ninfas, sereias e tritões tomam forma humana, vestem-se de negro, à luz da Lua, para ficarem mais nús, mais íntimos à Noite absoluta. Então as Musas, as camonianas Musas, sopram : a celebração começa.”
Dos becos e vielas do coração obscuro de Lisboa ou dos salões da aristocracia castiça uma mesma Voz se ergue, quando o crepúsculo reabsorve na treva as femininas formas da cidade branca e rosa. O vento, que outrora engravidava as éguas no Monte Santo, vem agora dedilhar as cordas de uma guitarra portuguesa. O Tejo empresta a frescura e o ritmo das suas vagas. E as ninfas, sereias e tritões tomam forma humana, vestem-se de negro, à luz da Lua, para ficarem mais nús, mais íntimos à Noite absoluta. Então as Musas, as camonianas Musas, sopram : a celebração começa.”
[…]
- Paulo
Borges
“Entra
pela janela aberta o rumor da avenida. E do parque entre os prédios, um
músico ambulante toca o seu saxofone. É um som volumoso, oco, tem nos
finais vibrações melodiosas. É uma música nostálgica, de uma lentidão
genesíaca. E a toada sobe por entre o rumor do tráfego. E paira ao alto
como uma estrela.”
-Vergílio Ferreira
Verão. Lá fora o
esfalto queima . A luz agride. Vidas plurais amontouam-se no
Aeroporto de Lisboa. Torna-se difícil isolar um gesto. A rapariga
branca , com uma claridade terna, abraça o seu grande amor, um rapaz
mestiço com um chapéu de palha castanho e rastas que lhe dão por
baixo dos ombros . Ficou envolvido naqueles braços mesmo antes de
pousar as malas. Sorria cheio de presença.
O
poeta Teixeira de Pascoes encontrou um dia uma senhora no Castelo de
S. Jorge meio especada e perguntou-lhe o que estava ali a fazer. Ao
que ela respondeu: “Estou aqui”. E ele , sem perceber nada,
perguntou se aquilo era resposta. Ao que ela retorquiu: “ e o
senhor acha que é pouco eu estar aqui!?”. Pascoais escreve que
isto foi uma revelação, maior do que tudo o que encontrou na obra
de Platão e outros.
(Era
isto que relatava Paulo Borges numa aula.)
“ É
uma flor. Não uma flor de jardim que alegre quem a cultiva, ou mesmo
de um caminho perdido onde a veja alguém que passa. É uma flor de
um campo bravio e onde pôs gosto em morar. O mais provável era
ninguém a ver como muitas outras que ninguém vê. Terá vivido com
algum insecto? Leva-lhe a aragem o pólen para outra flor que o
espera? Mas é possível, simplesmente possível, que nasça e morra
sem mais. Olhei-a eu por acaso – porque é que nasceste? Mas não
lho perguntei porque toda a pergunta era absurda. Uma flor. Nascida e
morta sem razão, nem sequer a razão de alguém a olhar. Flor
gratuita e todo o seu mistério sem mistério nela. E toda a
filosofia da vida aí. “
- Vergílio
Ferreira
O ESPANTALHO
"Certo
dia disse a um espantalho : - Deves estar cansado de ficar quieto no
meio deste campo deserto .
Ele
respondeu - me : - O prazer de espantar é profundo e grande , nunca
me cansa.
É
verdade , disse eu , também já conheci esse prazer.
Ele
respondeu : - Só podem conhecer esse prazer os que estão cheios de
palha .
Afastei
- me dele sem saber se a sua resposta era de elogio ou de troça ."
-
khalil Gibran
"Vou
contar uma história. Havia uma rapariga que era maior de um lado que
do outro. Cortaram-lhe um bocado do lado maior: foi de mais. Ficou
maior do lado que era dantes mais pequeno. Cortaram. Ficou de novo
maior do lado que era primitivamente maior. Tornaram a cortar. Foram
cortando e cortando. O objectivo era este: criar um ser normal. Não
conseguiam. A rapariga acabou por desaparecer, de tão cortada nos
dois lados. Só algumas pessoas compreenderam."
- Herberto Helder
- Herberto Helder
Subscrever:
Mensagens (Atom)