"Parece que ainda foi
ontem que gatinhava atrás das pernas da
minha mãe. Parece que ainda
foi ontem que corria e jogava à bola
nas ruas e praças vazias de
uma Lisboa quase sem carros. Parece
que ainda foi ontem que nasceu a
minha irmã. Parece que ainda
foi ontem que dei por mim no doce e
amargo sortilégio do
primeiro enamoramento. Parece que ainda foi
ontem que saía da
Faculdade para a liberdade do vasto céu aberto.
Parece que ainda
foi ontem o nervoso com que dei a primeira aula.
Parece que
ainda foi ontem que assisti ao nascimento dos meus filhos
e vivi
envolto em seus choros e risos infantes. Parece que ainda foi
ontem que telefonaram do hospital a meio da noite a anunciar que
o
meu pai partira. Parece que ainda foi ontem que pela primeira
vez vi
a minha futura mulher. Parece que ainda foi ontem. O
tempo anula-se
ao passar. Tudo é quase imediato. Como se nunca
houvesse sido e para
sempre fosse. Sentirei o mesmo ao morrer :
«Parece que ainda foi
ontem que vivi?»"
- Paulo Borges
|