Jean Baptiste Mondino |
Linhas e Fotografias
(Imagem : Martim Whatson)
"E
imprevistamente reparo que há luz no ar. Não vem do Sol para
um sítio determinado, que é a Terra. Espalha-se por todo o lado,
não vem de parte alguma, se o Sol desaparecesse, continuaria a
iluminar. Porque é uma luz de si própria, da essência de si, que é
ser luz sem mais na sua iluminação. E estou contente. E sou também
da essência da alegria, que é ser feliz para antes de se saber que
a felicidade e tem um nome."
-
Sebastião
Salgado vs Vergílio Ferreira
[...]
“Onde
quero dormir? No quintal...
Nada
de paredes — ser o grande entendimento —
Eu
e o universo,
E
que sossego, que paz não ter de ver antes de dormir o espectro do
guardafato
Mas
o grande esplendor, negro e fresco de todos os astros juntos,
O
grande abismo infinito para cima
A
pôr brisas e bondades do alto na caveira tapada de carne que é a
minha cara
Onde
só os olhos — outro céu —revelam o grande ser sunjectivo”
[...]
—
Álvaro de Campos
"Dá-me a tua mão: Vou agora te contar como entrei
no inexpressivo que sempre foi a minha busca cega e secreta. De como
entrei naquilo que existe entre o número um e o número dois, de
como vi a linha de mistério e fogo, e que é linha sub-reptícia.
Entre duas notas de música existe uma nota, entre dois fatos existe
um fato, entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço, existe um sentir que é entre o
sentir – nos interstícios da matéria primordial está a linha de
mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração
contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio."
- Bryan Schutmmat vs Clarice Lispector
[...]
"Tudo
é incerto ou falso ou violento: brilha.
Tudo
é terror vaidade orgulho teimosia: brilha.
Tudo
é pensamento realidade sensação saber: brilha.
Tudo
é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha.
Desde
sempre ou desde nunca para sempre ou não: brilha.
Uma
pequenina luz bruxuleante e muda
como
a exactidão como a firmeza
como
a justiça.
Apenas
como elas.
Mas
brilha.
Não
na distância. Aqui
no
meio de nós.
Brilha"
-
Jorge de Sena
Nos
salões da sociedade corriam rumores que Milton trocara a sua
mulher por outra do mesmo género: ambas cabeleireiras, esbeltas,
da mesma idade e mestiças. Carol, a ajudante da primeira mulher,
talvez alheia à verdadeira causa, chamou a a isto falta de originalidade. A verdade é que as raparigas pareciam um só
rosto. Enquanto isto, Nádia, uma cliente habitual, procurava o
grande amor. E tudo o que a levava ali era parte do percurso
feito com uma espécie de cintilância febril.
-
Do filme Caramelo/ Nadie Labaki vs Verónica Louise
|
[…]
“Também não me
interessa o que és, Diotima; adoro o mar pelo seu movimento
incessante; adoro as nuvens do céu pelo jogo variado e instável;
não posso exigir de ti que te mantenhas sempre a mesma: muito mais
me deleita Diotima a imaginação, o poder criador, a perfeita
compreensão com que se podem exprimir as correntes do mundo e
penetrar, pela variedade, aos pontos fundamentais a que não chega a
rigidez do político ou do filósofo. Em ti, Diotima, não vim
procurar a verdade, vim procurar a poesia […] o que desejo dizer-te
é que desistirei da verdade – e dar-lhe-ás por mim o preço que
quiseres – para ver surgir Diotima poética que Socrates não viu;
Sócrates ouviu de ti o poema do Amor o que é diferente. Mas dúvida,
ou, se queres, a maravilhosa flexibilidade que te adapta, com um
canto novo, ao marinheiro, ou ao sofista, ou ao filósofo; não tens
uma ideia que defendas, não tens uma doutrina a que te apegues e se
apoderem de ti, petrificando-te; és viva como a vida, Diotima, não
forças o que surge, mas lhe respondes e o abraças.
[...]
- Cristina Garcia Rodero vs Agostinho da
Silva
"Et tu seras aimée de mes amants, courtisée par mes courtisans. Tu seras la reine des hommes aux yeux verts dont j'ai serré aussi la gorge dans mes caresses nocturnes; de ceux-là qui aiment la mer, la mer immense, tumultueuse et verte, l'eau informe et multiforme, le lieu où ils ne sont pas, la femme qu'ils ne connaissent pas, les fleurs sinistres qui ressemblent aux encensoirs d'une religion inconnue, les parfums qui troublent la volonté, et les animaux sauvages et voluptueux qui sont les emblèmes de leur folie."
- Charles Buadelaire
A vida social é
pobre porque está sempre tudo bem. Põe-se o melhor rosto — ainda
que tenha acabado de sair de uma centrifugação —; raramente falta
um sorriso — mesmo que seja o secreto e pálido esboço de uma
lágrima — e arranja-se lugar para contar o melhor de nós. Quando
se chega a casa, tiram-se os saltos e somos da mesma altura de todos e
de ninguém.
A
porta do elevador do Centro Comercial Colombo abre-se. Movimento
repetido, na ordem do quotidiano. Por ela irrompe uma mulher mestiça
- radiosa ( «será aqui o paraíso? ») . Levava um recém nascido
num berço, a pérola preciosa que lhe dava um sorriso contagiante. Atrás
dela, ainda no elevador, permanecia outra mulher em cuja expressão ficou um rasto sumido dessa espécie de júbilo pela vida.
"Conheço
bem a aurora. [...] Por detrás do clarear está o limiar incerto da
Terra.
A aurora é para o dia o que a Primavera é para o ano, quer dizer, o que o bebé é para o morto.
A aurora estende um fumo de bruma sobre os rios e os lagos. É um véu que se entrepõe entre o Sol que se levanta e o seu reflexo, que se espalha na região do ar que o envolve.
É o seu próprio calor que torna impossível vê-lo no instante do seu nascimento. Não conhecemos nunca o que começa no seu início. Qualquer causa em nós é recapitulada e fictícia.
Não conhecemos nunca o que acaba no instante do seu verdadeiro fim. Todo o adeus é uma palavra que queremos acreditar que conclui. Ora ela não começa nada e nada acaba."
A aurora é para o dia o que a Primavera é para o ano, quer dizer, o que o bebé é para o morto.
A aurora estende um fumo de bruma sobre os rios e os lagos. É um véu que se entrepõe entre o Sol que se levanta e o seu reflexo, que se espalha na região do ar que o envolve.
É o seu próprio calor que torna impossível vê-lo no instante do seu nascimento. Não conhecemos nunca o que começa no seu início. Qualquer causa em nós é recapitulada e fictícia.
Não conhecemos nunca o que acaba no instante do seu verdadeiro fim. Todo o adeus é uma palavra que queremos acreditar que conclui. Ora ela não começa nada e nada acaba."
- Pascal Quignard
“Creio
que a amizade, como o amor do qual ela participa, exige quase tanta
arte como uma figura de dança bem conseguida. É preciso muito
entusiasmo e muita contenção, muitas trocas de palavras e muitos
silêncios. E sobretudo, muito respeito – esse sentimento da
liberdade dos outros, da dignidade dos outros, a aceitação sem
ilusões, mas também sem a menor hostilidade ou o menor desprezo por
um ser tal como ele é.”
-
Stéphane Berla vs Marguerite Yourcenar
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